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A adultização das crianças: o desafio de permitir que a infância seja vivida

Vivemos um tempo em que as fronteiras entre a infância e a vida adulta parecem cada vez mais tênues. Crianças que falam e se comportam como adultos, que seguem influenciadores nas redes sociais, que já se preocupam com aparência, produtividade e desempenho. Tudo isso tem um nome: adultização da infância — e é um fenómeno que merece nossa atenção como pais e educadores.
A infância, que deveria ser tempo de descoberta, imaginação e leveza, tem sido encurtada por um mundo que cobra pressa. Espera-se que as crianças ajam com maturidade emocional, que saibam se expressar com responsabilidade, que tenham foco e autocontrole. Mas esquecemos que tudo isso é aprendido aos poucos, com tempo, brincadeiras, erros e afecto.
Quando a criança deixa de ser criança

A adultização aparece de muitas formas: nas roupas, nas falas, nos gestos, nas redes sociais que incentivam a exposição e a comparação. Também está presente na rotina sobrecarregada — aulas, cursos, tarefas, agendas cheias — e na falta de tempo para o brincar livre.
Muitas vezes, não é por mal. Pais e professores desejam o melhor para as crianças, querem vê-las preparadas para o futuro. Mas, ao tentar antecipar etapas, acaba-se a roubar delas o presente.
O brincar, o faz de conta, a convivência com outras crianças e até o tédio são essenciais para o desenvolvimento emocional e cognitivo. É nesse espaço que surgem a criatividade, a empatia e a capacidade de lidar com frustrações — habilidades que nenhum aplicativo ensina.
Como identificar uma criança adultizada
O neuropediatra Anderson Nitsche (graduado em Medicina pela Universidade Federal do Paraná/Brasil (2006), residência médica em Pediatria pelo Hospital Universitário Evangélico de Curitiba/Brasil e residência médica em Neurologia Pediátrica pelo Hospital Pequeno Príncipe) afirma que há sinais que os pais podem identificar em uma criança que passa por esse processo de adultização. Segundo ele, um deles é uma irritabilidade mais frequente, qualquer coisa irrita e ela fica brava, responde de forma grosseira, inapropriada. Tem também um certo embotamento, fica mais reclusa da própria família, a escola começa a reclamar que ela não brinca mais tanto com as outras crianças. No caso de exposição a conteúdos sexualizados, afirma que as crianças costumam falar mais sobre o assunto e dizer palavras e jargões que são usados por adultos. Isso normalmente acaba a impactar o próprio rendimento escolar.
Segundo especialistas, caso os pais ou responsáveis percebam esses sinais, é importante observar se algo pode ser mudado no dia-a-dia para garantir que a criança volte às fases de desenvolvimento esperadas para a idade dela. Isso envolve menos cobranças ou mudanças na forma de conversar e abordar temas sensíveis em casa.
Buscar a orientação de profissionais da saúde, como pediatras ou psicólogos, também pode ajudar nesse processo.
Os efeitos da adultização

Esse fenómeno de adultização vem sendo estudado há mais de 100 anos. Um relatório do Comitê Interdepartamental sobre Deterioração Física, produzido pelo governo britânico em 1904, já alertava para os efeitos negativos da adultização das crianças.
Em um dos trechos, o documento menciona que a falta de condições básicas, como o sono, gera quadros relacionados à irritabilidade e à exaustão emocional nos mais jovens.
Naquela época, o fenómeno era muito preocupante por causa, por exemplo, da primeira fase da industrialização, em que havia crianças a trabalhar, crianças pequenas que deveriam estar na escola, estavam em fornerias e metalúrgicas, em lugares insalubres.
Com o passar dos anos, novos estudos revelaram que pessoas submetidas à adultização, como dito anteriormente, têm mais chance de sofrer de ansiedade, depressão, dificuldade de socialização, falta de empatia, problemas no processo de aprendizagem e dificuldade de atenção.
E quando esse processo envolve questões relacionadas à sexualidade, como acesso a conteúdos pornográficos, ou comentários sobre o corpo, pesquisas também observam prejuízos relacionados à autoimagem, à autoestima e ao risco de uma sexualização excessiva.
Ou seja, a adultização não apenas prejudica a pessoa no início da vida, mas acarreta consequências graves para a fase adulta.
Como proteger as crianças

Do ponto de vista colectivo, para proteger os jovens do ambiente digital é necessário a elaboração de políticas públicas e legislação para lidar com o tema. Uma vez que temos uma lei, as pessoas sabem como vão ser responsabilizados.
É preciso estabelecer deveres de cuidado das plataformas digitais com os mais jovens, a remoção de conteúdos que violem os direitos dos menores de idade e a criação de mecanismos de controle parental.
Existe um movimento internacional de regulação das mídias, as big techs. É um problema de saúde pública, então é preciso ter uma regulação. Os pais e as escolas precisam entender do que se trata.
Plataformas como YouTube, Meta (Facebook, Instagram e WhatsApp) e TikTok afirmam ter políticas públicas para lidar e proteger a segurança das crianças. O YouTube diz que, só em 2024, foram excluídos mais de 18 milhões de vídeos que infringiam a política de segurança infantil.
Já a Meta, que controla Facebook, Instagram e WhatsApp, declarou que não permite e remove conteúdos de exploração sexual, abuso, nudez infantil e sexualização de menores.
Por fim, o TikTok só permite usuários a partir de 13 anos. Entre usuários de 13 a 18 anos, há configurações específicas para preservar a segurança e o bem-estar, como limite de tempo de tela e restrição de recursos, além da funcionalidade de sincronização familiar.
Já do ponto de vista individual, há uma série de cuidados que é possível ter na hora de compartilhar conteúdos que estão a envolver crianças na internet.
Um deles é evitar a exposição excessiva nas redes sociais. Fotos e vídeos aparentemente inofensivos, por exemplo, podem acabar caindo em cadeias internacionais de pedofilia. É preciso também fazer uma denúncia de violação dos direitos das crianças e adolescentes aos órgãos competentes da sua região, do seu país.
O papel dos pais e professores

Pais e professores são os grandes guardiões da infância. São eles que podem proteger esse tempo precioso e ajudar a criança a crescer sem pular etapas.
Aos pais, cabe observar o quanto a rotina da criança está a ser guiada por pressa, estética ou comparações. Permitir momentos sem tela, sem compromissos, sem cobranças. Valorizar o brincar, o descanso, a conversa. Uma criança que vive plenamente sua infância será um adulto mais equilibrado e confiante.
Aos professores, cabe olhar além do comportamento “maduro” que, às vezes, esconde ansiedade ou cansaço. A escola precisa continuar a ser um espaço de descoberta, de ludicidade e de acolhimento. É importante incluir conversas sobre sentimentos, identidade, autocuidado — temas que fortalecem o emocional e ajudam a lidar com as pressões do mundo moderno.
Uma reflexão necessária
Proteger a infância não é atrasar o desenvolvimento — é respeitar o ritmo do crescer.
Cada criança tem o direito de ser criança: de brincar, errar, se encantar, imaginar e aprender no seu tempo. Quando apressamos esse processo, formamos jovens inseguros, ansiosos e desconectados de si mesmos.
Talvez o maior desafio da educação hoje não seja ensinar mais, mas ensinar com mais sensibilidade. Lembrar que, antes de formar futuros adultos, estamos a cuidar de infâncias e que nelas está o alicerce de toda sociedade.
Que possamos, juntos - família e escola -, devolver às crianças o tempo de ser o que são: apenas crianças.
Fontes:
https://www.bbc.com/portuguese/articles/cn5e11qrp54o
https://www.cnnbrasil.com.br/lifestyle/adultizacao-o-que-significa-e-o-que-causou-a-polemica-entenda/
https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/noticias/2025/agosto/adultizacao-infantil-como-reconhecer-prevenir-e-proteger-criancas-e-adolescentes
Texto adaptado por: Profª Eliane Ap. Zulian Delázari